quinta-feira, 30 de julho de 2009

Há Guarda.

Seus 17 anos de idade já não lhe traziam mais toda euforia que devia lhe trazer por desfilar ‘sozinho’ pelas ruas diante de uma multidão doente, asmática e pneumônica.

Aos arredores da pequena cidade, mostrava-se um cenário condizente a tal situação. A decadência era presente na arquitetura, no clima úmido, na economia local e na política de abandono dos doentes vitimas de uma grande peste que devastava a cidade havia dois anos.

Glauber caminhava pela rua com as mãos no bolso do longo sobretudo preto, olhando ao chão como se preferisse não estar participando de tal catástrofe.

Passos antes de dar a volta na esquina, um carro de vidro escuro com calotas azul marinho encostava ao seu lado na Rua Arbeit F. e lhe chamava a atenção um homem que, pela janela, abanava com euforia como um velho conhecido que não via havia muito tempo.

O jovem seguiu em direção ao carro enquanto a porta se abria, e quando teve noção de espaço, já estava no banco de trás conversando com um homem de meia idade que parecia feliz com o reencontro e dizia conhecer Glauber desde seu nascimento. O homem se dizia sempre presente, mas preferia discrepância, achava que ser notável para o rapaz pudesse influenciar nas escolhas da sua vida, disse esperar esse encontro e conversa mais próxima para uma data mais longínqua, mas que uma fatalidade tornou esse encontro inevitável.

Glauber lembrou por instantes do tio que perdera por conta da epidemia, mas que sempre relacionou o sumiço do familiar às ações ditatoriais da época, já que seu tio trabalhou por longo tempo na imprensa, mas logo preferiu não dar ouvidos aos seus devaneios e passou a prestar atenção na viajem e nas palavras do homem, ainda um desconhecido.

Um cortejo entra no cemitério enquanto o jovem conversava sobre seu destino, o homem afirma que o funeral era o local pelo qual lhe dava a carona. Glauber entrando em pânico lembra de seu pai que já havia contraído a doença há algum tempo, mas a morte não parecia ser imediata, já que conseguiu doses da vacina enquanto essa ainda havia disponível no quartel onde seu pai trabalhava. O homem tentando lhe acalmar pede para que o garoto desça do carro e siga com ele até onde ele possa ver as velas, as flores e, enfim, o corpo.

Glauber segue o cortejo sem conter as lagrimas, afasta com certa agressividade a multidão de conhecidos e curiosos ainda na espectativa de que tudo fosse um engano.

Sentindo-se mal, deixa o local e pede para que o homem o leve para algum lugar mais afastado. Glauber esperava tudo, mas o que viu realmente o chocou, já que sua morte era algo que ele nunca esperava.

5 comentários:

Lico disse...

Nossa, envolvente. Demais!

Perguntar não vai machucar, então: Tu se imaginou o homem do carro, o morto ou um demiurgo da situação?

Muito envolvente meesmo.

Anônimo disse...

gostei rubem, mas voce nao costuma escrever coisas tão depressivas e mórbidas hahaha

Cris Antunes disse...

Bom, Rubem.
Siga!

noelle falchi disse...

primeiro parágrafo foi o meu preferido. gostei bastante.

falando em epidemias, caso interesse, sugiro: "ensaio sobre a cegueira" e depois "ensaio sobre a lucidez" - josé saramago.

acho que pode causar certa semelhança.
beijos!

Felipe Celline disse...

Ah Rubem! Como sempre sua escrita ainda me tira o fôlego! Gostei muito cara!
Abraço!