segunda-feira, 11 de março de 2013

E então você procura algo para ler




      Por enquanto ainda é noite, aquilo que chamamos "noite", o período do dia em que o sol sai do nosso campo de visão e passa a atuar em outro canto do planeta, que chamamos de Terra, apenas para nos sentirmos mais estáveis e menos solitários enquanto esse globo gigante fica girando aleatoriamente no espaço vazio onde tudo é relativo.
      Então supomos que sejamos alguém, mesmo que não saibamos para que e só podemos afirmar que, a principio gostamos de estarmos vivos, no planeta Terra, fazendo coisas demais enquanto nossa percepção de vida ou lucidez não acaba ou perde o sentido. Vivemos apenas por que achamos que vale a pena.
      
      Daí você começa a ler esse texto, ou simplesmente desiste dele, achando que não vale a pena ler o que está escrito aqui, mesmo que embora vá carregar pela sua vida inteira a coragem ou a culpa de jamais ter lido ele por completo. Você provavelmente desistiu de ler o que está escrito aqui, ignorando que existe a possibilidade de ser o último texto com começo meio e fim que seus olhos poderiam ler e que sua mente pudesse assimilar caso algo acontecesse em breve e te impedisse de executar essa tarefa novamente. Então você ignora que exista essa possibilidade, ou outras, levanta de onde está sentado e vai para outro cômodo da casa, ascende a luz da cozinha e toma um copo d’água, relaxa e reflete sobre o começo do dia, embora pudesse também ser o fim dele, se por acaso eu tivesse suposto, no começo do primeiro parágrafo, que "então ainda é dia, embora o sol já esteja nos dando aquela falsa impressão que está indo para baixo d’água ou indo para trás da imaginária linha do horizonte". De repente você sente que as coisas estão tomando um rumo diferente a cada escolha que você faz, ou pensa que você que faz, até chegar a conclusão que não é você quem decide o que acontece e sim tudo aquilo que até pouco tempo você pensava que era apenas "o mundo lá fora".
       
      O relógio da sala parou e você esqueceu novamente de colocar o celular para carregar, então não faz ideia de que horas são, você não entende se o sol está nascendo ou se pondo, percebe que a geladeira não está refrigerando e presume então que faltou luz. A falta de luz não assusta, embora você não saiba se existe energia elétrica em outro lugar, mas passa pela sua cabeça que a falta de luz é só na sua rua, no máximo no bairro e que seria interessante se na verdade fosse um black-out, mesmo sem saber quanto tempo vá demorar até que a energia volte. Então um gato passa pela cozinha correndo e para olhando para a porta como se quisesse sair, você abre a porta e o gato vai embora e então você lembra que nunca teve um gato. Achando as coisas estranhas, você vai até o banheiro e se olha no espelho, vê que não é você no reflexo e descobre que se chama Arnaldo, tem trinta anos e que está ficando calvo. Então você vai para a rua mas não consegue fugir do que já está sendo escrito nesse momento e por isso volta.
       
       Agora você entende que o tempo todo esteve preso nesse texto e que seu passado pode ser editado a qualquer momento e que nada mais é esse texto do que a sua memória e aí você lembra que ainda não levantou da cadeira, nem foi até a cozinha beber água e então a luz volta e você nem tinha percebido a falta dela. Agora Arnaldo está refletindo sobre como seria sua vida se não tivesse lido esse texto. Ele está se olhando no espelho e o que ele vê é você.

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