quarta-feira, 27 de maio de 2009

Maio de 1968


Em Janeiro de 1968 um terremoto acabava de devastar a Sicília, na Itália. Lui viajaria à França a fim de concluir os estudos na universidade de Sorbonne, em Paris.

Após ter o dinheiro e as instruções necessárias para encarar a França naquele período, Lui segue viajem no inicio do mês de maio.

Subindo as escadas da estação, avista a poucos metros policiais da CRS espancando um grupo de jovens que escreviam frases como “Liberez nos camarades” em um muro próximo ao ponto de ônibus. O cenário era o mesmo por grande parte da cidade. Acampamentos cobriam o gramado de todas as praças. Sons de megafones misturavam-se pelas esquinas. A desordem era organizada por grupos de estudantes que estavam sem aula, pois protestavam contra o governo de DeGoulle. Lui, sem aula, casa ou comida, procura abrigar-se em uma das barracas sobre os gramados do parque. É acolhido por Iza, estudante, comunista, fumante e viciada em cinema. Contou sua vida a Lui, seus pais parariam a fábrica em quatro dias e ficariam por lá até o fim do protesto. Sendo assim, Lui já havia um lugar melhor para dormir, já que a barraca velha contava com precária armação.

No dia 9 de maio, Iza leva-o até sua casa, um apartamento no bairro Quartier Latin, seus pais acabavam de se deslocar para a fábrica da Renault.

O apartamento estava bagunçado, alguns pôsteres de Marx e alguns cartazes de cinema escondiam a cor da parede do quarto de Iza. Na cozinha os gatos devoravam o que sobrava do almoço e alguns pombos dormiam no sofá. Um ‘stereo’ reluzia perto da janela, alguns discos davam volume a pilha de obras, mas nada tão importante quanto o álbum de coletâneas que continha Jannis e Bob Dylan. Lui põe pra tocar sem permissão, a cerimônia não era bem vinda na casa de Iza.

Iza volta do banheiro, cômodo onde não havia porta. Lui desviava o olhar por trás da capa do disco enquanto ela voltava, ela sorriu e lhe deu um cigarro.

Lui ainda não sabia o que esperar dela, sabia pouco sobre suas opiniões, sabia pouco sobre a revolta que ocorria, seus planos eram outros, mas queria aproveitar enquanto estava ali de férias por tempo indeterminado. Então resolve conhecê-la melhor.

Acordam no dia 10, por volta das quatorze horas. Iza propõe um banho.

Naquela noite iriam participar de uma passeata, o risco de ferimentos era alto, a CRS estava cada vez mais agressiva, Lui estava a fim de ajudar nas barricadas, Iza ficou preocupada, mas acreditava em algo. O sangue também é vermelho, da cor da revolução.

Após uma macarronada e muito vinho, saem do apartamento em direção a concentração de estudantes no bairro vizinho. Entre carros queimados e barricadas feitas com o próprio asfalto retirado da rua, Iza segurava ao lado de uma estudante da Universidade de Nanterre uma faixa que ‘dizia’: "Nós somos todos judeus alemães". Logo a frente, Lui e mais de dez jovens destruíam o asfalto, levantando barreiras enquanto a policia respondia com violência. Após cinco explosões de molotov e o cheiro do gás de mostarda ainda no ar, a CRS avança com força praticamente esmagando os trabalhadores e estudantes a sua frente. Os carros e os corpos misturavam-se como sucata, os gritos de protesto eram silenciados ou abafados por gemidos de dor, Iza e Lui se abraçam e sentem que fizeram sua parte e que é preciso sair do local, mas segundos depois notando sua ação como um ato de covardia, Iza decide que se entregar naquela hora seria guardar-se pra uma futura vitória. Então juntos, esperam que os policiais da CRS levem-nos para passar uma noite de tortura, até que no próximo dia sejam postos em liberdade e em condições de lutar novamente com mais obsessão.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Estação I

Shepard ouvia o barulho dos vagões de longe, antes mesmo de chegar ao acesso subterrâneo da estação. Do nariz escorria a coriza que após ser seca pelo lenço fazia extrema falta quando sentia a ardência de uma assadura nasal.

A manhã cinza que voltava, com uma espécie de nevoa que lembrava o fog londrino, escondia qualquer coisa ou pessoa que se distanciasse pouco mais de 5 metros dos olhos de Shepard. O trafego constante sobre a estação balançava a estrutura e produzia um som parecido com o de uma fabrica de estofados.

Lembrava ali que estava atrasado, mas naquela manhã os detalhes eram tão prazerosos quanto para Jean Pierre Jeunet.

Próximo as escadas da estação, oito pombas brigavam por um pedaço de pão à sinfonia de espirros, escarros e vozes. Shepart quis fotografar, mas sua câmera estava no prego junto com seu relógio. A casa de penhores ficava um pouco mais ao centro e lá havia deixado sua aliança para pagar o caixão de sua esposa.

Seu metrô chegou. Ele não sabia ao certo se era metrô, se era trem, mas 60% do percurso era feito fora do subterrâneo. O trem seguia vazio e Shepard ia sentado, escrever algo era necessário. Então, abriu aspas.

“Convivo num mundo onde não se tem certeza, a relatividade vira desculpa e a garantia das coisas é relativa. Apodreço ao longo dos anos e passo a reparar em coisas que quando era mais novo não notaria. Contraio uma virose por dia, enquanto meus ombros me cobram descanso. Lembrei que um emprego era tudo o que eu queria quando tinha 19 e agora mais velho reparo nas pombas lembrando os impostos. Eu podia ter ido pra ilha com aquele pessoal de 73, mas pensei que fosse utopia e acreditei que seria feliz se trabalhasse por conforto, o qual nem tenho tempo de aproveitar. O esquecimento é algo importante depois de um tempo, minha cabeça não aguentaria tão pouca felicidade. Mas quando saio do ônibus e entro no trem eu lembro que hoje fico mais velho e cada vez mais faço parte da cidade. Um dia eu vou morrer, talvez amanhã, e disso tudo nada valeu a pena de verdade. E pela ordem das coisas, empenharão um relógio pra eu apodrecer com dignidade”.

Shepard seguiu viagem.

domingo, 3 de maio de 2009

Joel

1983, uma casa antiga do século XVII ainda era habitada, mas aparentemente não.
A parede que um dia fora azul, agora tinha um tom esverdeado. Na parede oposta, perto da porta principal, encontrava-se Silvia, a mulher do pôster que Joel com certo esforço comprou em uma banca próxima. Silvia foi quem o inspirou pra descrever sua mãe e n’outro dia sua irmã, usando isso em alguns roteiros. Atualmente Silvia era algo sem papel na vida de Joel, muito menos em um roteiro. Silvia era sua musa, impressa a cada roteiro com nomes diferentes.

O roteiro inacabado desmanchava-se sobre a mesa após ser molhado por uma das goteiras dentre várias no teto. Acordou antes que a água cumprisse seu papel desagradável.
Eram oito da noite, espreguiçou-se e esfregou o rosto e começando ali sua jornada de trabalho, precisava pensar num roteiro novo. Enquanto digitava, olhava Silvia que fazia sempre a mesma pose, algo que um dia chegou a irritá-lo. Sentiu saudade de quando ela foi sua mãe no ultimo roteiro, mas era Clara, logo nunca foram a mesma pessoa.

Lá fora começava a nevar. Joel já não dormia mais de 4 horas havia muito tempo, mas precisava enviar o material em dois dias. Fugir seria uma boa opção, mas ele tentava manter a cabeça no lugar.
Foi até a cozinha, bebeu algo. O gosto de vinagre desceu quase sólido, comeu uma fatia de pão e voltou pra sala com a garrafa, parecia beber álcool puro. Após horas escrevendo, bebendo e olhando a cada segundo para Silvia, uma idéia brilhante encoraja Joel, que fixava o olhar sobre a imagem de Silvia. Resolveu ali se casar com ela, antes retirou o pôster da parede com cuidado, enrolou, guardou sob o casaco, pegou sua mala, enfrentou a neve e fugiu.

sábado, 2 de maio de 2009

Constante__

Peter procurava o que tinha esquecido,

ou perdido, naquele domingo.

dentro do quarto de sua atual ''exnamorada''.

As coisas acabaram em merda ou em nada.

Mas começar do fim empolgava

tanto que Peter não sabia mais se estava

triste ou feliz que tristeza o motivava.

Olhar o amanhecer seria empolgante

se visto da janela de um bar,

mas também se visto do seu quarto com alguém pra acompanhar.

Desceu na esquina da Lennin com a Schautz e caminhou

como se nunca estivesse passado por onde passou,

olhando cada detalhe das pessoas, dos prédios,

dos postes, da rua e da lua crescente. Sem tédio.

Escolheu um bar entre tantos,

o que tinha menos pessoas na frente e barrando

na entrada. O nome era interessante.

A cerveja tinha um preço amargo e era salgada.

Sentia como se bebesse o que suava.

Pediu outra. Enquanto esperava,

olhou para os lados procurando algo e encontrou

Sua futura-ex-namorada.