segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Rotina

Era tarde. Havia uma festa. Mas ele disse não. Decidiu não sair de casa. Preferia ler. Ouviu as noticias do radio. Desligou. Um trem passava longe. A vida também. Abriu a bebida forte. Era rum, uísque, não sabia mais. Leu um capitulo. Abandou a leitura e foi se deitar. Eram quase três horas da madrugada. Ele acordara, porem seu corpo não estava ao seu lado. Procurou. Encontrava-se espiando o mundo pela janela do banheiro. Uma vista urbana, cinza e noturna, inclusive ao meio dia, onde sua janela era cercada por diversas outras janelas, por cima, por baixo, pelos lados e também pela frente. Era inútil pensar em saídas tendo como vista a vizinhança inteira do Palace XI.
A folga no dia seguinte nem lhe animou. À folga, restara o tédio. Sempre. Foi dormir.
No dia seguinte, tomando seu café da manhã –café, pão e manteiga- seu pensamento ia longe enquanto observava as formigas saqueando seu açúcar. Era por volta das oito da manhã. O telefone tocava, insistentemente. Poderia ser Clara, com todo seu perdão já manjado, poderia ser o sindico ou o porteiro. Era seu chefe. Ficou ali deitado observando como a rotina o dominara. Não vivia mais. Não vivia com seu espírito. Seu corpo tomava conta dos compromissos, enquanto ele perambulava por algum lugar, tentando se encontrar. Voltou para casa. Trabalhara excepcionalmente bem. Recebera elogios. O corpo cansado despencava no sofá, enquanto ele acordava e ia caminhar pela casa durante a noite, observar as outras janelas pela janela do banheiro. Sentiu-se útil. Resolveu dormir, pois haveria trabalho para ele, de corpo e alma, no dia seguinte. Na semana seguinte nos anúncios de jornais continham em letras grandes: Aluga-se.