sexta-feira, 17 de abril de 2009

Brian Oldham II

Era tarde e eu precisava sentir que ainda respirava, o cordão da calçada ainda tinha marca de óleo e a gasolina estava por tudo, até em mim. A marca do cigarro que eu fumava era tão vagabunda quanto a minha ultima namorada, essa descansava dentro do carro, que permanecia em chamas.

Naquela hora eu não queria pensar na policia, e nesse problema todo do mundo real. Eu precisava aproveitar aquilo, talvez meus últimos momentos de liberdade, que mesmo que ao lado de um cigarro vagabundo, pareciam ser os melhores.

A dor que ela sentia provavelmente já havia passado, ela estava em paz, eu não. Continuava com dor e me culpando por ter acabado tão rápido com a minha ultima vingança. A vida dela nesses meses tinha sido um inferno, mas nenhuma dor dela se comparava a minha, por ter perdido ela pra qualquer um e agora ter perdido ela outra vez, por vingança. Eu precisava fazer, eu já não sabia o que fazer.

Algo que eu não queria pensar que era ela, e realmente já nem era, fazia um som parecido com plástico encolhendo enquanto queima. Ela realmente era tão descartável quanto. E eu ainda gostava disso.

De longe as sirenes anunciavam meu fim ou a tentativa do socorro dela. Melhor seria se chamassem os bombeiros, mas não parecia ser. Eu mesmo devo ter ligado pra policia, já não lembrava, o choque começava a chegar, me paralisando, paralisando meu cérebro também.

Um dia quis saber como era o inferno, agora eu tinha uma idéia, era mais ou menos como amar ela e saber o quanto isso era ruim. Se eu tivesse bebido menos o serviço sairia mais perfeito; mas o resultado seria o mesmo e saber disso me acalmava.

Eu queria levantar e ver como ela estava após nossa ultima discussão, que por culpa disso joguei tudo num poste enquanto eu já rolava por fora quebrando apenas algumas costelas, eu devia ter feito o planejado, mas seria nojento. Nada que ela não fosse merecer, mas eu quis me poupar.

Os carros chegaram, uma surra talvez fosse inevitável, interpretaram como acidente, ainda bem; ainda por enquanto.

Um dia vão me perguntar sobre arrependimento; só me arrependo por não poder fazer de novo.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Dos Cacos

Passava das vinte horas e as lojas se fechavam como de costume. Era inverno e ventava tão forte que o cheiro da comida dos bares se arrastava até a esquina, fazia a volta na rua e antes de chegar à saída do metrô, se dispersava misturando-se ao perfume das flores que uma imigrante japonesa insistia em vender por ali, sem lucro. Sem lucro também andava a vida do Sr. Kleinman que, com vinte e nove anos, já aparentava mais de quarenta. Herdeiro de um negócio fracassado, a fábrica era a única herança que seu pai havia deixado e que ele preferia não ter. Vivia preocupado com o pagamento das dividas, sonhava todo dia com o fechamento daquela produtora de calçados, um produto de má qualidade que fabricava modelos que ninguém mais usava. O cheiro de cola lá dentro era forte e Kleinman sempre voltava pra casa com uma dor de cabeça insuportável, mas que após alguns goles de Novalgex, a dor tornava-se suportável e ele podia completar o trajeto até seu apartamento apertado, tirar os sapatos e ver tv sentado no sofá, onde sempre acabava dormindo.

Quatro horas depois levantava sem sono -já não sabia se por insônia ou habito-, pegava as contas, subtraia, se decepcionava, ia pra janela fumar e observar as prostitutas que ficavam a oito metros dali.

Clara era a moça que ele mais gostava, chegou um dia a pagar pelo serviço, mas se apaixonou e preferiu nunca mais entrar em contato, - como se a puta fosse se incomodar - também não queria gastar dinheiro e correr o risco de necessitar todo dia dos serviços de Clara.

Amanhecia e ele se preparava para um banho frio no chuveiro estragado que soltava apenas algumas goteiras. Kleinman não se importava, talvez pudesse ter mais comodidade, mas preferia não acostumar com mordomias, já que a fábrica em alguns meses quebraria.

Na hora em que saia para trabalhar, arrumando a camisa amarelada pra dentro das calças escuras, ouviu o orelhão tocar e desceu correndo esperando que fossem noticias de seu irmão que morava no Rio. E era. Seu irmão foi adotado e após saber onde estavam seus pais biológicos mudou-se. Vivia bem, mas nunca pensou em ajudar Kleinman, que também nunca quis pedir dinheiro.

O telefonema foi um alivio para kleinman, seu irmão viria e passaria uma tarde, depois seguiria para a Argentina a trabalho. Chegado o dia do encontro, kleinman arrumou a casa, inclusive o chuveiro. Não pelo seu irmão, mas para não parecer que precisava de ajuda.

Gordon, - que usava seu sobrenome ‘verdadeiro’ - entrou, sentou-se e conversou com Kleinman, não pediu café, disse estar com pressa. Vendo as contas encima da mesa, notou que a falência não demoraria, se despediu e deu a Kleinman um embrulho.

Após se despedir do irmão, ficou curioso, mas preferiu deixar o embrulho fechado, achava que ainda não ia precisar, apenas espiou. Era dinheiro.

Como sempre, chegada as quatro horas da manhã, Kleinman acordou e foi fumar na janela, observou Clara e suas ‘amigas’ conversando sentadas na calçada.

Após atirar o filtro do cigarro oito metros abaixo, Kleinman segurou o pacote do dinheiro e caminhou rapidamente em direção a escada do prédio. De pés descalços na rua, cortou os pés em cacos de vidro de uma garrafa em que Clara acabava de quebrar, esticou e mão e ofereceu-a todo o dinheiro, mordendo o lábio inferior, por dor ou por um quase remorso. Clara, obviamente aceitou.

No momento em que subia as escadas Kleinman só pensava em uma coisa; havia comprado a mulher da sua vida, ou duas coisas; precisava também retirar os cacos de vidro do seu pé. Imaginava ter dinheiro para passar com ela um mês ou dois.

Na manhã seguinte, vê Clara dormindo e sai para trabalhar três horas mais tarde.

Voltou do trabalho e seguiu pelo caminho corriqueiro, comprou da imigrante uma flor para Clara. Lembrou que precisava ligar para o contador e declarar falência. Pensou por alguns instantes que podia ter usado o pacote para pagar o aluguel e ter onde morar até que arrumasse um emprego, mas nem o pé infeccionado pelos vidros da garrafa de Clara lhe incomodavam, queria apenas subir e ver que ela estaria lá.

Do orelhão, acertou tudo antes de subir ao prédio. Chegando em casa não a encontrou, mas encontrou um bilhete dizendo que o valor do envelope era suficiente apenas para doze horas. Kleinman sentiu a dor dos cacos de vidro de Clara. Lembrou do aluguel. Lembrou da falência.