terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Éramos 3

Estive pensando sobre o ano de 2006 e me pareceu até agora a época mais importante da minha vida, ou da minha adolescência, o ano das mudanças, pode se dizer - Caetano lançou o Cê e, como disseram os críticos, se reinventou.
Quinze anos e passando pela segunda vez pelo primeiro ano do ensino médio, já com certa experiencia sobre as matérias desse nível, comecei a matar aulas e criar amigos, que permanecem amigos até hoje e com certa frequencia nos encontramos casualmente em algum ônibus ou não por acaso em alguns bares. Foi pensando nesses colegas que se tornaram amigos que lembrei dos amigos de infância que se tornaram apenas colegas. Éramos três. Dos oito aos quatorze, fomos três grandes amigos, depois cada um seguiu seu rumo sem mudar de endereço. Ainda nos encontramos na rua, na nossa rua, na rua onde jogávamos futebol - eu com pouquíssima intimidade com a redonda - porém o papo nunca dura o bastante para marcarmos tomar uma cerveja, os três, como em antes de 2006 - nessa época, sem a parte da cerveja. Por isso pensei, porque não marcar logo esse encontro com o passado, saber dos planos futuros e lembrar de algum vidro quebrado, alguma vizinha gostosa que hoje deve ser mãe solteira de três filhos, pois assim as coisas são. Seria impossível. Faz pouco mais de uma década que facilmente éramos vistos juntos com uma bola embaixo do braço ou bolitas no bolso, discutindo sobre quem fez o golaço do domingo naquela praça onde hoje as goleiras já foram retiradas, mas seria impossível pois temos uma coisa que hoje gostaríamos talvez de não ter. Compromisso. Dos três, o mais novo já encontra-se casado e é pai, nada planejado, mas ele administra tudo muito bem com um certo jeito brasileiro. O outro trabalha na cozinha de um hotel de uma rede internacional, além de fazer parte de uma espécie de coletivo que une cozinha e vídeos de skate - não faço ideia de como. Enquanto, eu, penso em escrever um livro e reunir os velhos amigos, não parece muito promissório, ou talvez o mundo ainda esteja pronto para tanto.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Universo Inconsciente

Um ser totalmente lúcido e transcendental apóia-se no parapeito do edifício mais alto da maior cidade do universo que contem mais carbono do que oxigênio na única atmosfera que contem o elemento crucial a sobrevivência na galáxia inteira pelo fato de ser, em tese, o único lugar onde há seres vivos, céticos, egoístas e certos de sua existência impar até que provem o contrário (para quem?). O nome do ser é Ângelo e somente ele observa a vida de fora e do alto sem precisar ser divino ou contemplado, apenas observa ali a coexistência do caos entre e dentro de cada ser humano ou objeto animado, seja por força física ou natural. Tudo que se move reflete e absorve o caos de e para o universo em uma dimensão astronômica e apenas limitada pela unidade de medida humana, mas infinita na sua real proporção.

Ângelo reflete sobre a palavra liberdade, morte e existência. Ele pensa sobre o mundo como um todo e para ele o ser humano é uma nano partícula e mesmo assim absorve a culpa de um mundo inteiro sobre seus ombros por vontade própria, mas não por um ato heróico, mas sim, por ato de covardia. O ser humano que Ângelo observa é o homem que tem para si a missão de entender o universo tentando colocá-lo sob sua própria nomenclatura. Ângelo repudia a atitude de falta de “percepção de todo” da humanidade e retorna de onde veio. Ângelo apaga seu cigarro e recolhe-se a sua insignificância. Ele retorna ao universo das eternas possibilidades. Ângelo retira seus olhos do microscópio ao mesmo tempo em que o mesmo Ângelo afasta seus olhos da lente do telescópio, embora esse último sem ter para si alguma resposta qualquer.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Quero ser um escritor maldito. Vol.I

A vida é uma linha expressa. Não há ponto de ônibus ou de chegada. Do lado de fora, apenas uma extensa paisagem vai mutando. O tempo para uma nova paisagem totalmente diferente aparecer delimita o tempo de duração da paisagem anterior. A paisagem é o estado de espírito que é constante, porém, não muito intenso.

sábado, 20 de novembro de 2010

Denise, eu te odeio!

Eu tava de porre no sofá quando recebi a ligação do meu chefe perguntando o motivo da minha ausência no trabalho, respondi nada com nada e desliguei já com remorso da cagada que eu acabava de cometer. Terminei a garrafa de vinho e fui correndo porta à fora, na chuva e logo em seguida porta à dentro em um boteco de esquina, daqueles com duas portas, uma para cada rua. Acordei no outro dia com uma ressaca fulminante e querendo saber onde eu havia perdido minha carteira e quem sabe minha dignidade também. Liguei para Denise e ela disse que viria, mas entrei no banho ainda sem saber à que horas chegaria. Ela recém havia acordado e eu estava de ressaca, meus olhos pouco se abriam, não conseguimos nos programar muito bem, mas ela viria.

Enquanto eu dormia no chuveiro Denise tocou a campainha. Ao ouvir o som estridente que chacoalhava meu cérebro, a imagem de Denise, morena – quadris – largos – olhos – escuros, configurava-se em meu subconsciente até eu despertar – Sempre que de ressaca, me alertava para chamar Denise, pois sua voz tranquilizava meu “dia seguinte’’. Ela sempre vinha.

Denise, impaciente, começou a provocar um tumulto no prédio enquanto eu tentava me vestir com pressa. Denise tinha 18 anos e eu 23, porém sempre me tirando para bundão, a ainda adolescente acabava por me comandar desde a chegada até o final de sua visita.

Ela foi direto para o quarto. A maconha que a Denise trazia sempre me deixava anulado; mudo, surdo e irracional. Um primata. Um troglodita. Um espermatozóide.

Quando entrei no quarto ela já bolava um bom plano e um belo baseado. Denise tinha um sorriso sincero e muita habilidade com as mãos.

Ela eu conheci no cinema do aeroporto. Carioca espaçosa, quando vi já estava me fazendo essas visitas para cuidar da minha ressaca, ou até mesmo bebendo junto comigo, cultivando uma ressaca. Carioca encantadora; depois dela não precisei amar ninguém. Não estávamos nem perto de um relacionamento, mas ela valia por todas juntas na minha cama. Carioca imoral; não tinha limites e não tinha vergonha. Aprendi com ela tudo que eu não precisava, segundo a moral da sociedade.

Aproveitamos nosso nível de "descompromisso" causado por aquilo que pra mim a Denise tem, de fato, plantado no seu quintal e fomos para o boteco do Alfredo – seguindo desta forma, o plano dela para o dia e para a noite –, lugar onde provavelmente esqueci minha carteira. Quando o Alfredo achava, me devolvia, se não achava eu fazia questão de esquecer que um dia eu tive. Um dia Alfredo encontrou uma ex-namorada minha, eu voltei com ela por um tempo, mas só porque o Alfredo havia achado e me devolvido – Depois fiz questão de perder ela bem longe. Outro dia Alfredo me achou jogado na calçada e me fez voltar para mim – Eu estava muito mal nesse dia. Alfredo um dia achou a Denise a melhor mulher do mundo e perguntou porque eu não casava com ela. “Eu não amo, Alfredão.”, respondeu Denise. Ele não precisava ter perguntado na frente dela. Essas frases me matavam. Não somente seus comentários desgostosos, mas também sua aprovação exacerbada, sua paixão forte, porém momentânea, que só ela sabia equilibrar com um pouco de algo que eu ainda não identifiquei em nenhuma outra mulher. Sei que era momentânea, pois ela contava suas histórias de fuga. Eu já não sabia de onde ela era e ela já não sabia pra onde ia. Ela só sabia que um dia não estaria mais ali, aqui ou lá.

Amor e ódio resumem Denise, e ela, mesmo apenas sendo descrita em palavras, sem foto, apenas seus fatos e frases, podem causar desajuste na mente de um cara fraco para mulheres. Ela não era um ser perfeito nem tampouco anormal, era ela e o mundo paralelo dela e mentia pra mim que eu pertencia a esse mundo e mentia ao mundo que ele pertencia a ela.

No outro dia eu acordo sem ressaca nenhuma, sem carteira perdida, apenas com um nome e um número a menos na agenda.

Corri na chuva porta a fora e em seguida o bar eu adentro procurando por Alfredo, filho da puta, onde se meteu o Alfredo? Ele respondeu esticando a cabeça até a altura do balcão e eu o questionei como se ele olhasse por mim diariamente a todos os meus pertences: "Onde diabos está Denise?" e ele respondeu, é claro: “Eu não sei.”

Foi embora, a Denise, como mandava seu roteiro. Por isso, Denise, eu te odeio!

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

A verdade é ficção. I

Eu já tava achando estranha essa historia da Patrícia (que, até onde eu sabia, namorava com o Marcelo há dois anos) me chamar pra conversar num bar. Ta certo, eu sempre achei que ela fosse assim mesmo - quer dizer, sempre achei que ela fosse ‘’sem problemas’’ – tudo bem, beber com um amigo que não vê há anos não é pecado, tão pouco traição, mas não me saía da cabeça perguntar para ela se o Marcelo ia junto ou não, mas ela é tão gostosa que eu evitei empecilhos e aceitei de cara. Esperei horas – mais ou menos 3 cigarros - e nada dela chegar, daí eu comecei a beber e meu plano de deixar ela bêbada pra perguntar o porque do nosso reencontro sem nenhum motivo aparente foi por goela a baixo empurrado por três garrafas de cerveja.

Quando a Patrícia entrou no bar eu já tava com um certo brilho no olhar e já tava afim de pedir a conta e convidar ela pra conhecer meu quarto/sala novo que eu havia alugado de um amigo que foi fazer “sei lá o que” no exterior.

Beleza! A Patrícia chegou bem no momento em que eu voltei do banheiro pra dar “aquele mijão” típico de quem já tá começando a sentir o álcool entrando no sangue e adormecendo a sua cara. No meu caso, o álcool já havia adormecido também minha cara de pau. Eu cumprimentei ela de longe logo que vi ela entrando naquele boteco estrategicamente escolhido por ser próximo ao tal apartamento. Como eu já não coordenava minha fala muito bem, reclamei do frio que fazia naquela noite só para disfarçar minha fala meio “torta’’. Enfim, cumprimentei ela também com um abraço apertado, coisa que eu jamais faria sóbrio – ainda mais sem perguntar antes pelo tal do Marcelo, seu namorado ciumento. Demorei um pouco para localizar onde eu tava sentado antes de ir ao banheiro e durante os primeiros 10 minutos da nossa conversa eu tentava lembrar se realmente era ali o local onde eu havia sentado antes.

Já estávamos conversando há mais ou menos duas horas, falando sobre o passado, sobre a escola e sobre o que estávamos fazendo atualmente. – atualmente eu só andava bebendo, fumando e procurando emprego, mas menti que estava de férias. A Patrícia sempre foi fraca pra bebidas, inclusive para bebidas sem álcool. Diziam que um dia ela passou mal depois de tomar uma lata de cerveja... cujo teor alcoólico era zero. Acho que ela fazia certas coisas “para aparecer”, por exemplo, ela me ligava de madrugada e falava que não conseguia dormir e perguntava se eu não tinha o numero do Marcelo, porque ela tinha trocado de celular e esquecido o numero do cara – veja só, pobre moça sem memória! Eu sempre dizia que não tinha, aí então me oferecia como ombro amigo e ela aceitava. Acho que eu sabia mais sobre ela do que o próprio namorado dela, aliás, ela nunca mencionou ele como um namorado, mas só dava pra ele há um ano e meio mais ou menos e isso eu sei também por ela ter me contado em uma dessas ligações noturnas – sim, eram esses os assuntos, mas eu sentia que ainda ia lucrar sobre isso.

O bar fechava às duas horas da madrugada, na verdade era uma espécie de lanchonete – escolhi esse lugar vocês já sabem por quê.

A gente foi pra frente da lanchonete e sentamos um pouco na calçada até terminarmos nossas latas, as ultimas, até que entrássemos no quarto e sala e abríssemos aquela preciosa geladeira vermelha onde eu guardava meu estoque etílico e nos afundássemos no álcool até que ela esquecesse se tinha namorado ou não. Aliás, eu ainda não havia perguntado – eu realmente tava com medo de perguntar isso e ela responder com um: ‘‘Tu estás confundindo as coisas, amigo”, sabe como é – Então a Putricia, assim alguns amigos meus chamavam ela na época de escola, virou a boca da lata em direção ao chão e falou com certa tristeza no olhar: “Acho que acabou...’’. Então eu, cavalheiro que sou, falei que tinha mais no “meu” apartamento e que ele ficava ali perto. Após isso o inferno começou. Ela respondeu que era uma boa idéia, já que o (filho da puta) Marcelo (esse nome ecoou na minha cabeça por um longo período) só poderia buscar ela após as dez da manhã, pois teria prova na faculdade – o retardado era contador e pessoas que vêm ao mundo para estudar exatas simplesmente não sabem ter um bom papo e a vida é feita de bons papos – Besteiras a parte, levei ela mesmo assim pro recinto. Tava bem imundo e ela meio que reclamou, mas depois que viu a geladeira sentiu-se mais à vontade. Eu já não tava afim de conversar e não sabia mais se ela queria dar ou não. Essa certeza, aliás, eu não tive em nenhum momento perto dela. Enfim, bebemos até ficarmos tão bêbados a ponto de conversar no banheiro enquanto ela “aliviava” – fato que no outro dia eu repudiei e tentei esquecer – Acordamos no outro dia de manhã, eu não lembro como eu fui capaz de dormir no chão e ela no sofá. Eu não lembro também como eu fui capaz de acordar de roupa perto daquela mulher. Enfim, acordei com o filho da puta ligando pra ela. Ela deu o endereço e disse que tava na casa de uma tia, ele foi buscar e é lógico eu não desci. Ela me mandou uma mensagem que eu só li quando acordei novamente às sete da noite do mesmo dia. Ela dizia, vocês sabem, pra eu ser menos inseguro. Disse também que era melhor eu perder a mania de transar e depois me vestir novamente, porque pegava mal. Pensei na hora: Eu preciso recuperar minha memória, sei que não vai acontecer outra vez, etc. O fato é que penso nisso até hoje, ainda mais quando lembro que uma semana depois ela mudou de telefone, cidade e estado civil.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Pouca bobagem

Certo dia fiquei sabendo que meu anjo da guarda havia morrido. ''Bobagem!" Era o que eu também diria há um tempo atrás, mas o pior de tudo, na verdade, foi descobrir que ele um dia existiu.
Eu fiquei sabendo pelo jornal, o que foi um tanto quanto desagradável. Liguei a TV logo que acordei e no jornal do meio-dia vi a notícia.
Diziam os moradores de onde ele vivia que todo dia pela manhã ele acordava cedo e juntava-se a mesa do café da manhã com os outros moradores. Não lembro se eram parentes ou apenas amigos. Daí aconteceu que naquela manhã quando todos se reuniram para o tradicional café da manhã, ele não acordou. A ausência dele na mesa gerou preocupação imediata. Subiram até o quarto e encontraram o corpo sem vida. Já ali no ato começaram a organizar as questões do féretro
, sem choro e sem vela.
Morreu com 101 anos, ou mais. Não lembro. Pena que eu não o conheci. Na foto ele parecia ser simpático. Mas já se foi, agora é bobagem.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Cinefilia Junk

Comecei frequentando o cinema, ainda bem novo. Mas cinema tudo bem, naquela época isso já não era problema, não para famílias liberais como a minha. Hoje em dia todos frequentam ou já frequentaram essas salas de consumo coletivo, apesar do preço alto. Até que certo dia conheci, por meio de amigos, o material que era fornecido em VHS – idéia de um amigo que tinha o aparelho em casa e não se importava em compartilhar. Esse material naquela época ainda saia em conta alugar – isso mesmo, alugar. Reuníamos um pessoal na casa de alguém, rachávamos a grana do aluguel e consumíamos o filme, na maioria das vezes, mais de um. O programa se estendia noite a dentro até o amanhecer. A parte segura dessa forma de consumo, como eu já disse, era por conta do material ser alugado, o que tornava um dever a devolução do produto – rebobinado, claro – para o fornecedor que era chamado Vídeo Locadora.

Ainda são encontradas Vídeo Locadoras por aí em alguns cantos da cidade, mas cuidado, com a chegada do DVD o valor do aluguel se tornou abusivo. E é sobre o prejuízo monetário que eu falarei a seguir, depois de relatar uma fase transitória que pode ser considerada o começo do meu vício, o contato com o Submercado.

Esse Submercado chegou até mim quando experimentei comprar um filme em DVD, e você deve estar imaginando eu em uma loja comprando um produto de qualidade e com preço alto (o que me impediria o vício por razões financeiras), mas não. Foi passando por uma esquina próxima a minha casa que conheci um homem mal vestido que empunhava um estojo repleto de filmes e se identificava apenas como Camelô. Notei no ato que esse rapaz era esperto, tanto por sua agilidade ao buscar pelo material desejado por mim quanto por suas promoções “Dez por seis”. Mergulhei de cabeça nessa, mas não por muito tempo. Os motivos para eu ter abandonado o uso do material do Sr. Camelô foram diversos, por isso vou citar apenas alguns: Os títulos eram limitados, ele demorava para conseguir – quando conseguia – os filmes que sequer entraram em cartaz na cidade ou mais antigos; outro era que ele insistia em me empurrar filmes ruins bolso a dentro; Mas de tantos problemas o que foi crucial para que eu desistisse desse tipo de fornecedor era que, ao chegar em casa, suando, ainda com a roupa usada na faculdade, logo após empurrar o disco para dentro do aparelho, foi tornando-se usual encontrar três problemas que impossibilitavam o consumo. Esses problemas eram: Filme dublado, sem opção de troca do áudio; Filme com áudio original, perfeito, porém sem legenda e o último, contendo o aviso infernal de Disco Inexistente, pois nada havia sido gravado no disco. Foi a partir do problema com o Camelo que me entreguei à uma atividade equivalente ao uso do pirata. Conheci o download e me tornei um usuário digital – talvez procurando uma utilidade para os discos virgens que comprei por engano – ou picaretagem – do amigo Camelô. Esses tempos, em parte, foram bons. Baixei filmes de todos os cantos do mundo, escolhia uma série de títulos e deixava baixando via torrent a noite inteira para que pela manhã, até antes de me alimentar, começasse a usar a obra que desse vontade na hora. Consumi como nunca, consumi por ordem alfabética, por filmografia de diretor, por seguimento ou movimento artístico. Assim, junto com o conhecimento, meu vício aumentava a cada dia. Até eu já me considerava fissurado, ou cinéfilo – termo que meus amigos usavam para me descrever pejorativamente. Aliás, ex-amigos. Troquei meus amigos pelos filmes.

Certo dia, mergulhado na tela 17 polegadas do meu modesto computador – que nem DVD Recorder continha – assistindo outra vez ao The Truman Show, caiu a ficha de que eu, há muito tempo, não assistia um filme na minha TV que era consideravelmente maior que o monitor. Refleti sobre o trabalho que se despendeu nas filmagens e que eu, folgado que era, estava utilizando de uma técnica egoísta ao baixar filmes e após assisti-los despejava o arquivo na lixeira, onde eu jamais jogaria qualquer filme físico enquanto em sã consciência. Aí olhei para minha prateleira que nada de material áudio visual continha, nem sequer uma dose para emergências e - caso houvesse um dia em que eu fosse parar - nem ali existia a dose para acalmar a abstinência. Levantei naquele instante e recuperei a sanidade mental somente na fila do Supermercado, quando embaixo do braço eu carregava alguns títulos clássicos que estavam em promoção eterna naquela loja. Pensava que ali estava eu dando um passo ao começo do fim do vício, já que me prometia nesse instante consumir apenas material com nota fiscal, para evitar transtornos psíquicos e overdoses, coisas que aconteciam com certa frequência quando utilizei de métodos gratuitos. Ledo engano! Depois de ter caminhado por entre locadoras a beira da falência que vendiam seus filmes a “preço de banana”, esperar horas em filas de Supermercados que etiquetavam Fight Club e Pulp Fiction a preço de chocolate e de sebos que sucateavam The Godfather, me cansei. Era injustiça não dar o valor necessário aquelas obras que o vento há de levar. Agora a dependência deixava de ser apenas física, contudo o problema também se tornava psíquico quando eu não pagava o valor que eu achava que deveria pagar para ter em minha casa tal obra.

Problemas com essa dependência eu tive muitos e ainda tenho. Devo confessar que não consegui me livrar do vício, mas agora admito que uso apenas coisas licitas, com nota fiscal e certificado de boa procedência, certificação essa dada pelos amigos da crítica que costumam avisar quando o produto não vai cair bem a certos usuários mais exigentes.

Agora é dezembro e nesse apartamento pequeno e úmido, onde me submeti a morar para que meu salário renda mais filmes, e com o estomago encolhido por uma dieta de macarrão instantâneo, me dispus a empurrar hoje pela manhã meu décimo terceiro salário ao caixa da maior livraria da cidade – descontado o aluguel e o macarrão do mês – para a aquisição mais pesada da minha vida.

Vi com os olhos marejados a moça do caixa colocar na sacola da maior livraria da cidade aqueles quatro boxes. Jean-Luc, Federico, Bernardo e François.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Acompanhante de luxo

Fazia tempo que a chuva não chegava tão cedo. Pouco havia amanhecido, ainda havia lua e mal se via o sol. Com talento e roupas claras ela retirava do varal a roupa que eu retiro do corpo dela. Com maestria, com calma e calor, ela fazia a tarefa correndo. Não era inverno nem verão (e continua me confundindo o outono e a primavera), era um dia calmo e afastado das tralhas velhas que deixamos na cidade – nos mudamos para que ela não se perdesse. Era, no sentimento, o fim de uma fase. O final de um capitulo. O começo de outro que não era o ultimo. Pediu um chá e eu preguiçoso resmunguei, mas fiz. Servi e ela me olhava com olhar expressivo e cabelo molhado, secando ao vento que entrava com a chuva fina pela janela da cozinha.

Ainda ofegante me levou para a sala e ligou o rádio. Ela queria passar o dia assim, sem compromisso. Mas ainda havia alguns animais soltos e a chuva forte em breve iria chegar. Eu ainda tinha um livro pra ler, um quadro e outro livro pra terminar de escrever, sem contar com a aula prática no fim da tarde com aquele instrumento que eu nem sei o nome muito bem - Além de ajudar ela com a papelada do velório da mãe que eu tanto amei enterrar. Ela queria um pouco menos de casamento e mais juventude, falou sobre ser muito cobrada, mas não queria ser culpada se por acaso eu não entregasse o livro pronto no prazo exigido. Eu notei que há muito não a via no começo do dia. Nosso tempo juntos era depois das sete, depois de acender as luzes, então eu entrava e no breu lhe estendia a mão – ainda que cansado.

Uma ideia inconsequente me fez corrigir esses problemas sobre a hora e o tempo com ela. Passei a ter insonia e tornei a não dormir. Em cinco dias ela ainda estava lá e eu tinha como escrever, passava o dia com ela e nas madrugadas a maquina criava vida fantástica. Nove dias depois daquele, eu dormi. Acordei e ela me abanava da porta, de longe, me fazendo aprender que a Inspiração sempre nos exige muito.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Catalepsia mata?

- Catalepsia mata?
- Depende do ponto de vista.
- Como assim?
- Depende se você fala sobre o ponto de vista do médico ou do paciente.
- É verdade.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Saravá, pra casa.

Era por esporte que Fepa vivia. Não vivia ''pelo'' esporte. Mas só estava vivo para continuar jogando, para continuar, apenas, vivendo.
Não que
Fepa fosse desmotivado, depressivo ou intolerante com a vida, mas não via muita razão nela, mesmo sem deprimir, não via razão à viver.
Descia até a rua menos movimentada do bairro (a sua, o seu -
perspectivamente) pendurando-se sobre a janela do andar de baixo e escorregando pelo pilar da sacada século XVIII, que embora muito velha, permanecia mais de pé que seu amigo Pedro que chegava sempre "meio bêbado'' para acompanhar Fepa nas longas trilhas sem destino que percorriam durante o dia, ou até mesmo parte da noite, ou madrugada, até que chegasse as 2h da manhã e como era quase sempre dia de semana (haviam dias de semana 5 ou até 6 vezes por semana) Fepa não via motivos para atormentar o sono da sua preocupada mãe que trabalhava parte do dia como costureira e outra parte como noveleira. Então se despedia de Pedro e voltava. Apenas fisicamente. A mente de Fepa ficava na rua, olhando pra última bagana de cigarro desperdiçada pela pressa. A pressa de chegar antes do primeiro relampejo que viria a acordar sua mãe, que preocupada notaria a falta de Fepa dormindo na cama, ou como na maioria das vezes, no sofá.
Foi numa dessas viagens sem rumo ao lado de Pedro que
Fepa notou o seu pouco entusiasmo em viver. O animal se distingue do homem pelo fato de aceitar a morte antes mesmo de morrer. Os homens não aceitam a morte nem depois de mortos - pensou Fepa ao passar pelas tripas de um cão jovem, pouco experiente, entre as latas e as marcas de pneu no asfalto. O cão sabia que devia estar lá.
Fepa pouca coisa havia conseguido na vida ao longo de seus breve 25 anos. Conheceu poucos lugares e o mais longe que foi, talvez fosse aquela fazenda perdida no meio do nada, onde recuperou-se de seus vícios/prazeres e onde entendeu pra que serviria o fim. Fepa sentia saudade misturada com um sentimento ''DeLargeano'' quando via Pedro vomitar - a pouca grana que havia ingerido - pela sarjeta e chorar pela mulher que sempre quis, e sabe que só podia querer. Pedro estava vivo. Fepa era um cão, com total noção da hora que iria morrer. Com toda sua esperança depositada nesse ato natural que um dia todos viverão para ver.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Ordens. I

Foi pelo mesmo motivo de as caixas de incenso permanecerem deitadas sem ninguém notar.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Introspectivo

Olhar pela sacada nunca foi tão prazeroso. Embora sozinho e vendo as luzes da cidade se apagar aos poucos - e ao longo da madrugada-, sentia-se tranquilo ao ver mais uma noite sem sono chegar ao fim. Buscava refletir, embora sua mente permanecesse vazia de qualquer coisa ou sonho, era introspectivo. Era uma boa tentativa pra jogar fora todo seu desejo. Todo seu ego voaria pela janela junto com toda sua falta do que ser. A lua, amarelada, iluminando aquela noite de verão, por volta do dia 2 março, lhe dava inspiração ao recomeço. Não lembrava, ele, se há meses atrás havia errado em algo e esse passo torto que teria lhe arremessado na velocidade do tempo até aquela ponta da sacada onde permanecia debruçado na consciência. Despreocupava-se aos poucos com o próximo passo a dar. Engolia seco; engolia, sem perceber, qualquer motivação. A expectativa sempre fora grande irmã da decepção.

Era o passo a frente que ele nunca quis dar. Estava convicto e isso lhe tirava falsas esperanças, coisa que até então fora seu combustível para se iludir e acreditar nas coisas da vida, achar que a parte boa chegará - e sempre está para chegar – Assim como ele aprendeu e vivenciou.

Tinha apenas a certeza de que a vida não é um texto/rascunho onde só é preciso jogar as idéias no papel e depois consertá-las. Mas encontrou o impulso necessário para sair dali com a mente limpa e pronta para jantar, - e terminar os trabalhos do trabalho que resolveu levar para casa naquela segunda-feira - o impulso vinha do pé de apoio que, ele, naquele momento notou ser necessário pôr sempre que diante de uma longa decisão. Era uma espécie de pé atrás com o tempo, o relógio, o calendário. Era pensar antes de agir, sem pensar demais, era fazer sem medo de ter que voltar atrás ou acostumar-se com o erro. Então foi até a cozinha, parou diante da janta e escolheu entre carne e massa.