segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Rotina

Era tarde. Havia uma festa. Mas ele disse não. Decidiu não sair de casa. Preferia ler. Ouviu as noticias do radio. Desligou. Um trem passava longe. A vida também. Abriu a bebida forte. Era rum, uísque, não sabia mais. Leu um capitulo. Abandou a leitura e foi se deitar. Eram quase três horas da madrugada. Ele acordara, porem seu corpo não estava ao seu lado. Procurou. Encontrava-se espiando o mundo pela janela do banheiro. Uma vista urbana, cinza e noturna, inclusive ao meio dia, onde sua janela era cercada por diversas outras janelas, por cima, por baixo, pelos lados e também pela frente. Era inútil pensar em saídas tendo como vista a vizinhança inteira do Palace XI.
A folga no dia seguinte nem lhe animou. À folga, restara o tédio. Sempre. Foi dormir.
No dia seguinte, tomando seu café da manhã –café, pão e manteiga- seu pensamento ia longe enquanto observava as formigas saqueando seu açúcar. Era por volta das oito da manhã. O telefone tocava, insistentemente. Poderia ser Clara, com todo seu perdão já manjado, poderia ser o sindico ou o porteiro. Era seu chefe. Ficou ali deitado observando como a rotina o dominara. Não vivia mais. Não vivia com seu espírito. Seu corpo tomava conta dos compromissos, enquanto ele perambulava por algum lugar, tentando se encontrar. Voltou para casa. Trabalhara excepcionalmente bem. Recebera elogios. O corpo cansado despencava no sofá, enquanto ele acordava e ia caminhar pela casa durante a noite, observar as outras janelas pela janela do banheiro. Sentiu-se útil. Resolveu dormir, pois haveria trabalho para ele, de corpo e alma, no dia seguinte. Na semana seguinte nos anúncios de jornais continham em letras grandes: Aluga-se.

sábado, 29 de agosto de 2009

Impressionável

Impressionante. Era a palavra que rondava havia horas a cabeça do cara que, recostado no velho sofá, abria uma cerveja gelada pra fugir do calor do verão das suas férias.
Naquela madrugada quente nada acontecia, nada ali dentro do seu pequeno apartamento quarto/sala, talvez algo no bar da esquina. Nada também na tv, ligada no mudo pra ocultar o chiado da ausência de sinal que caia sempre após as duas da manhã.
Encarava seus tênis rotos, imundos, esfarrapados. O velho Guidis que ganhou da avó.
O álcool fazendo efeito lhe trazia de volta aos tempos em que em dois minutos acordado num sábado era o suficiente para arrumar compromisso nada sério, como uma conversa no bar, visitas à um cabaré com os amigos ou quem sabe companhia pra noite toda. Mas eram apenas velhos tempos, afinal, aquela madrugada de domingo sozinho no sofá e cercado de papeis que lhe remetiam à segunda feira nada se pareciam com as de um ano atrás, nas suas ultimas férias sem emprego.
Sentiu saudade. Não era da família, nem dos amigos, nem dele mesmo naqueles anos que antecederam a formatura. Talvez da moça da farmácia que lhe atendeu tão bem que... Também não era carência. Pensou em ligar pra alguém, preferiu não incomodar. Um sorriso misteriosamente insistia em grudar no seu rosto, tanta felicidade que ele teve vontade de dividir com alguém. Quis ser egoísta dessa vez.
Pensou rapidamente nos problemas normais de quem se tornou independente há tão pouco tempo, mas isso não lhe deprimia, sentia-se tão bem que só sentia-se angustiado ao pensar em acordar com um humor tão diferente capaz de fazer uma grande besteira.
A tv voltava ao ar. A cerveja quente e ele com os olhos abertos, querendo não dormir, o sol invadia o cômodo e a persiana o incomodava lhe fazendo ficar com o corpo listrado.
Desprendeu as costas do encosto do sofá, foi ao banheiro prometendo nunca mais dormir, queria ter essa paz pra sempre, mas caiu no banheiro, descansou um sono pesado, tão satisfeito prometeu nunca mais acordar. Era alguém impressionável.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Há Guarda.

Seus 17 anos de idade já não lhe traziam mais toda euforia que devia lhe trazer por desfilar ‘sozinho’ pelas ruas diante de uma multidão doente, asmática e pneumônica.

Aos arredores da pequena cidade, mostrava-se um cenário condizente a tal situação. A decadência era presente na arquitetura, no clima úmido, na economia local e na política de abandono dos doentes vitimas de uma grande peste que devastava a cidade havia dois anos.

Glauber caminhava pela rua com as mãos no bolso do longo sobretudo preto, olhando ao chão como se preferisse não estar participando de tal catástrofe.

Passos antes de dar a volta na esquina, um carro de vidro escuro com calotas azul marinho encostava ao seu lado na Rua Arbeit F. e lhe chamava a atenção um homem que, pela janela, abanava com euforia como um velho conhecido que não via havia muito tempo.

O jovem seguiu em direção ao carro enquanto a porta se abria, e quando teve noção de espaço, já estava no banco de trás conversando com um homem de meia idade que parecia feliz com o reencontro e dizia conhecer Glauber desde seu nascimento. O homem se dizia sempre presente, mas preferia discrepância, achava que ser notável para o rapaz pudesse influenciar nas escolhas da sua vida, disse esperar esse encontro e conversa mais próxima para uma data mais longínqua, mas que uma fatalidade tornou esse encontro inevitável.

Glauber lembrou por instantes do tio que perdera por conta da epidemia, mas que sempre relacionou o sumiço do familiar às ações ditatoriais da época, já que seu tio trabalhou por longo tempo na imprensa, mas logo preferiu não dar ouvidos aos seus devaneios e passou a prestar atenção na viajem e nas palavras do homem, ainda um desconhecido.

Um cortejo entra no cemitério enquanto o jovem conversava sobre seu destino, o homem afirma que o funeral era o local pelo qual lhe dava a carona. Glauber entrando em pânico lembra de seu pai que já havia contraído a doença há algum tempo, mas a morte não parecia ser imediata, já que conseguiu doses da vacina enquanto essa ainda havia disponível no quartel onde seu pai trabalhava. O homem tentando lhe acalmar pede para que o garoto desça do carro e siga com ele até onde ele possa ver as velas, as flores e, enfim, o corpo.

Glauber segue o cortejo sem conter as lagrimas, afasta com certa agressividade a multidão de conhecidos e curiosos ainda na espectativa de que tudo fosse um engano.

Sentindo-se mal, deixa o local e pede para que o homem o leve para algum lugar mais afastado. Glauber esperava tudo, mas o que viu realmente o chocou, já que sua morte era algo que ele nunca esperava.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Farol de Westham

Albert Speer, acordou às 11 a.m. sufocado pelo suor de sua mulher e ansioso pelo cheiro daquela manhã em que resolvera não ir ao trabalho. Tomou um banho antes do café e outro após concertar o carro. A chuva limpara a rua arrastando a sujeira, os mendigos, as crianças e os desempregados, todos em direção ao bueiro central. O sol era ofuscado por nuvens cinzas e brilhava covardemente como uma estrela, tornando-se inferior à Albert, assim como a paisagem que agora dava lugar à imunda maquina do Sr. Speer, que derrapava em direção ao farol daquela pequena cidade litorânea chamada Westham, onde um dia houve grande fluxo de turistas, mas que agora era uma cidade abandonada devido o grande número de tempestades que há um ano atrás, no inverno, provocou grandes emigrações tornando-se quase uma cidade fantasma onde nem mesmo o prefeito residia mais.

Rose, a única mulher que Albert amava de verdade, contava com precária lataria, com rugas e crateras provocadas pela maresia, mas que mesmo assim nunca recusou um passeio até o farol, agora resmungava alto como se pedisse um tempo para descansar, para apreciar a paisagem ou para urinar mais alguns litros de óleo com tanquilidade.

Sobre o teto de Rose, Albert acende um cigarro molhado e curvo, e descansa olhando as nuvens passando rápido sobre seus pensamentos que se misturavam e se confundiam entre o prazer de ver a cidade se distanciando e o farol se aproximando com velocidade igual a sua, ou seja, mais de 80km/h, e isso parecia um recorde pra quem avaliasse a maquina parada no quintal imundo cercada de grama, madeira úmida e lixo domiciliar.

Após observar mais uma vez a presença humildemente ridícula do sol sobre sua cabeça, Albert sorri e entra novamente em sua querida esposa e dessa vez protegendo o pescoço com uma manta velha que descansava até então ao seu lado junto com suas luvas e seus óculos de sol, usados frequentemente à sombra e inclusive a noite.

Após 40 minutos, Albert chega ao Farol Westham. Ansioso e maravilhado sob os pés da grande ‘’escultura’’ imponente, assim como o Sr. Speer gostaria de ser, e não pensou duas vezes antes de abrir um velho Whisky Diablo e tomar como se tivesse acabado de atravessar Dacar a pé, e sobe as escadas tremendo como se estivesse indo em velocidade fetal às mãos do médico, como fez em novembro de 2011, e tropeça tamanho sua euforia ao ver a ilha de Burroughs, vista apenas por quem sobe o farol.

Tocando as vidraças do farol, Albert Speer medita para si mesmo, contemplando seus atos e sua convicção de que era sem duvida alguma, para ele, o único ser capaz de apreciar a vida pensando em si mesmo.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Sr. Queer.

De frente para a estante de livros o Senhor Queer procurava por Marlon Washer, os livros desse autor haviam sumido misteriosamente. Impaciente e sem tempo para procurar em outros cantos da casa, Queer decidiu que escreveria tão bem quanto o Sr. Washer, talvez, não com tanta clareza ou riqueza em detalhes, mas buscando espelhar-se nas obras do seu grande mestre.
Queer, que já não escrevia um romance ou drama desde os trinta anos de idade, passava grande parte do dia folhando seus velhos cadernos de poesia em busca de inspiração ao invés de esboçar um ensaio.
Deu titulo, encapou o livro, rabiscou uma imagem do que seria a capa, ligou para a editora, anunciou à publicidade. Mas suas mãos ainda nada falavam, nem um parágrafo mudo ou aspas como um escarro que precede a oração. Nada dele saia, nada em sua mente entrava, até seu sétimo dia de insônia, após descansar sobre a pauta com a caneta ainda em mãos, acorda e depara-se com a obra pronta, assinada, corrigida e nota que quatro dias haviam se passado.
Naturalmente confuso porem entusiasmado com o que teria acontecido, deu um telefonema à editora dizendo que estava a caminho com a obra em mãos.
Após um longo trajeto a pé, bate a porta da Editora South e entrega o caderno que cai de suas mãos como quem se livra de um peso dez vezes maior que seu próprio corpo, e talvez fosse, devido ao trabalho de quatro dias que ele mesmo não lembrava ter feito.
“Washer Marlon – o livro’’ estava entregue, seguindo em direção ao ‘forno’, com seu titulo anunciando total inspiração na obra de um autor que morrera alguns anos atrás.
De volta á sua casa a fim de descanso, Queer recosta-se em sua poltrona, onde descansa e faz reflexões durante anos, e com o passar do tempo não aguenta mais tanta pressão vinda do sucesso do livro. Decide mudar-se para o campo, querendo afastamento de seus compromissos com o publico e a imprensa, levando apenas uma de suas estantes de livros com um exemplar de ‘’Washer Marlon’’, a poltrona, lenha e uma arma para emergências.
No alto da montanha, Queer passa meses lendo e relendo obras do século XVII, comendo peixe e empalhando ursos.
Anos depois, refletindo em frente à lareira, encarando um peixe empalhado e mastigando uma dura carne de urso, Queer presume que enlouqueceu e decide voltar à cidade, deixando seus livros na cabana da montanha, levando apenas sua arma para emergências.
De volta à cidade, depara-se novamente com a estante de livros, procura por ‘Washer Marlon’, que havia sumido misteriosamente, decide ele mesmo escrever uma obra inspirada nesse livro, mas desiste na metade, aponta a arma para sua cabeça, dispara e acorda dias depois com a obra finalizada, assinada e intitulada ‘’Mellon and Blood’’.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Maio de 1968


Em Janeiro de 1968 um terremoto acabava de devastar a Sicília, na Itália. Lui viajaria à França a fim de concluir os estudos na universidade de Sorbonne, em Paris.

Após ter o dinheiro e as instruções necessárias para encarar a França naquele período, Lui segue viajem no inicio do mês de maio.

Subindo as escadas da estação, avista a poucos metros policiais da CRS espancando um grupo de jovens que escreviam frases como “Liberez nos camarades” em um muro próximo ao ponto de ônibus. O cenário era o mesmo por grande parte da cidade. Acampamentos cobriam o gramado de todas as praças. Sons de megafones misturavam-se pelas esquinas. A desordem era organizada por grupos de estudantes que estavam sem aula, pois protestavam contra o governo de DeGoulle. Lui, sem aula, casa ou comida, procura abrigar-se em uma das barracas sobre os gramados do parque. É acolhido por Iza, estudante, comunista, fumante e viciada em cinema. Contou sua vida a Lui, seus pais parariam a fábrica em quatro dias e ficariam por lá até o fim do protesto. Sendo assim, Lui já havia um lugar melhor para dormir, já que a barraca velha contava com precária armação.

No dia 9 de maio, Iza leva-o até sua casa, um apartamento no bairro Quartier Latin, seus pais acabavam de se deslocar para a fábrica da Renault.

O apartamento estava bagunçado, alguns pôsteres de Marx e alguns cartazes de cinema escondiam a cor da parede do quarto de Iza. Na cozinha os gatos devoravam o que sobrava do almoço e alguns pombos dormiam no sofá. Um ‘stereo’ reluzia perto da janela, alguns discos davam volume a pilha de obras, mas nada tão importante quanto o álbum de coletâneas que continha Jannis e Bob Dylan. Lui põe pra tocar sem permissão, a cerimônia não era bem vinda na casa de Iza.

Iza volta do banheiro, cômodo onde não havia porta. Lui desviava o olhar por trás da capa do disco enquanto ela voltava, ela sorriu e lhe deu um cigarro.

Lui ainda não sabia o que esperar dela, sabia pouco sobre suas opiniões, sabia pouco sobre a revolta que ocorria, seus planos eram outros, mas queria aproveitar enquanto estava ali de férias por tempo indeterminado. Então resolve conhecê-la melhor.

Acordam no dia 10, por volta das quatorze horas. Iza propõe um banho.

Naquela noite iriam participar de uma passeata, o risco de ferimentos era alto, a CRS estava cada vez mais agressiva, Lui estava a fim de ajudar nas barricadas, Iza ficou preocupada, mas acreditava em algo. O sangue também é vermelho, da cor da revolução.

Após uma macarronada e muito vinho, saem do apartamento em direção a concentração de estudantes no bairro vizinho. Entre carros queimados e barricadas feitas com o próprio asfalto retirado da rua, Iza segurava ao lado de uma estudante da Universidade de Nanterre uma faixa que ‘dizia’: "Nós somos todos judeus alemães". Logo a frente, Lui e mais de dez jovens destruíam o asfalto, levantando barreiras enquanto a policia respondia com violência. Após cinco explosões de molotov e o cheiro do gás de mostarda ainda no ar, a CRS avança com força praticamente esmagando os trabalhadores e estudantes a sua frente. Os carros e os corpos misturavam-se como sucata, os gritos de protesto eram silenciados ou abafados por gemidos de dor, Iza e Lui se abraçam e sentem que fizeram sua parte e que é preciso sair do local, mas segundos depois notando sua ação como um ato de covardia, Iza decide que se entregar naquela hora seria guardar-se pra uma futura vitória. Então juntos, esperam que os policiais da CRS levem-nos para passar uma noite de tortura, até que no próximo dia sejam postos em liberdade e em condições de lutar novamente com mais obsessão.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Estação I

Shepard ouvia o barulho dos vagões de longe, antes mesmo de chegar ao acesso subterrâneo da estação. Do nariz escorria a coriza que após ser seca pelo lenço fazia extrema falta quando sentia a ardência de uma assadura nasal.

A manhã cinza que voltava, com uma espécie de nevoa que lembrava o fog londrino, escondia qualquer coisa ou pessoa que se distanciasse pouco mais de 5 metros dos olhos de Shepard. O trafego constante sobre a estação balançava a estrutura e produzia um som parecido com o de uma fabrica de estofados.

Lembrava ali que estava atrasado, mas naquela manhã os detalhes eram tão prazerosos quanto para Jean Pierre Jeunet.

Próximo as escadas da estação, oito pombas brigavam por um pedaço de pão à sinfonia de espirros, escarros e vozes. Shepart quis fotografar, mas sua câmera estava no prego junto com seu relógio. A casa de penhores ficava um pouco mais ao centro e lá havia deixado sua aliança para pagar o caixão de sua esposa.

Seu metrô chegou. Ele não sabia ao certo se era metrô, se era trem, mas 60% do percurso era feito fora do subterrâneo. O trem seguia vazio e Shepard ia sentado, escrever algo era necessário. Então, abriu aspas.

“Convivo num mundo onde não se tem certeza, a relatividade vira desculpa e a garantia das coisas é relativa. Apodreço ao longo dos anos e passo a reparar em coisas que quando era mais novo não notaria. Contraio uma virose por dia, enquanto meus ombros me cobram descanso. Lembrei que um emprego era tudo o que eu queria quando tinha 19 e agora mais velho reparo nas pombas lembrando os impostos. Eu podia ter ido pra ilha com aquele pessoal de 73, mas pensei que fosse utopia e acreditei que seria feliz se trabalhasse por conforto, o qual nem tenho tempo de aproveitar. O esquecimento é algo importante depois de um tempo, minha cabeça não aguentaria tão pouca felicidade. Mas quando saio do ônibus e entro no trem eu lembro que hoje fico mais velho e cada vez mais faço parte da cidade. Um dia eu vou morrer, talvez amanhã, e disso tudo nada valeu a pena de verdade. E pela ordem das coisas, empenharão um relógio pra eu apodrecer com dignidade”.

Shepard seguiu viagem.

domingo, 3 de maio de 2009

Joel

1983, uma casa antiga do século XVII ainda era habitada, mas aparentemente não.
A parede que um dia fora azul, agora tinha um tom esverdeado. Na parede oposta, perto da porta principal, encontrava-se Silvia, a mulher do pôster que Joel com certo esforço comprou em uma banca próxima. Silvia foi quem o inspirou pra descrever sua mãe e n’outro dia sua irmã, usando isso em alguns roteiros. Atualmente Silvia era algo sem papel na vida de Joel, muito menos em um roteiro. Silvia era sua musa, impressa a cada roteiro com nomes diferentes.

O roteiro inacabado desmanchava-se sobre a mesa após ser molhado por uma das goteiras dentre várias no teto. Acordou antes que a água cumprisse seu papel desagradável.
Eram oito da noite, espreguiçou-se e esfregou o rosto e começando ali sua jornada de trabalho, precisava pensar num roteiro novo. Enquanto digitava, olhava Silvia que fazia sempre a mesma pose, algo que um dia chegou a irritá-lo. Sentiu saudade de quando ela foi sua mãe no ultimo roteiro, mas era Clara, logo nunca foram a mesma pessoa.

Lá fora começava a nevar. Joel já não dormia mais de 4 horas havia muito tempo, mas precisava enviar o material em dois dias. Fugir seria uma boa opção, mas ele tentava manter a cabeça no lugar.
Foi até a cozinha, bebeu algo. O gosto de vinagre desceu quase sólido, comeu uma fatia de pão e voltou pra sala com a garrafa, parecia beber álcool puro. Após horas escrevendo, bebendo e olhando a cada segundo para Silvia, uma idéia brilhante encoraja Joel, que fixava o olhar sobre a imagem de Silvia. Resolveu ali se casar com ela, antes retirou o pôster da parede com cuidado, enrolou, guardou sob o casaco, pegou sua mala, enfrentou a neve e fugiu.

sábado, 2 de maio de 2009

Constante__

Peter procurava o que tinha esquecido,

ou perdido, naquele domingo.

dentro do quarto de sua atual ''exnamorada''.

As coisas acabaram em merda ou em nada.

Mas começar do fim empolgava

tanto que Peter não sabia mais se estava

triste ou feliz que tristeza o motivava.

Olhar o amanhecer seria empolgante

se visto da janela de um bar,

mas também se visto do seu quarto com alguém pra acompanhar.

Desceu na esquina da Lennin com a Schautz e caminhou

como se nunca estivesse passado por onde passou,

olhando cada detalhe das pessoas, dos prédios,

dos postes, da rua e da lua crescente. Sem tédio.

Escolheu um bar entre tantos,

o que tinha menos pessoas na frente e barrando

na entrada. O nome era interessante.

A cerveja tinha um preço amargo e era salgada.

Sentia como se bebesse o que suava.

Pediu outra. Enquanto esperava,

olhou para os lados procurando algo e encontrou

Sua futura-ex-namorada.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Brian Oldham II

Era tarde e eu precisava sentir que ainda respirava, o cordão da calçada ainda tinha marca de óleo e a gasolina estava por tudo, até em mim. A marca do cigarro que eu fumava era tão vagabunda quanto a minha ultima namorada, essa descansava dentro do carro, que permanecia em chamas.

Naquela hora eu não queria pensar na policia, e nesse problema todo do mundo real. Eu precisava aproveitar aquilo, talvez meus últimos momentos de liberdade, que mesmo que ao lado de um cigarro vagabundo, pareciam ser os melhores.

A dor que ela sentia provavelmente já havia passado, ela estava em paz, eu não. Continuava com dor e me culpando por ter acabado tão rápido com a minha ultima vingança. A vida dela nesses meses tinha sido um inferno, mas nenhuma dor dela se comparava a minha, por ter perdido ela pra qualquer um e agora ter perdido ela outra vez, por vingança. Eu precisava fazer, eu já não sabia o que fazer.

Algo que eu não queria pensar que era ela, e realmente já nem era, fazia um som parecido com plástico encolhendo enquanto queima. Ela realmente era tão descartável quanto. E eu ainda gostava disso.

De longe as sirenes anunciavam meu fim ou a tentativa do socorro dela. Melhor seria se chamassem os bombeiros, mas não parecia ser. Eu mesmo devo ter ligado pra policia, já não lembrava, o choque começava a chegar, me paralisando, paralisando meu cérebro também.

Um dia quis saber como era o inferno, agora eu tinha uma idéia, era mais ou menos como amar ela e saber o quanto isso era ruim. Se eu tivesse bebido menos o serviço sairia mais perfeito; mas o resultado seria o mesmo e saber disso me acalmava.

Eu queria levantar e ver como ela estava após nossa ultima discussão, que por culpa disso joguei tudo num poste enquanto eu já rolava por fora quebrando apenas algumas costelas, eu devia ter feito o planejado, mas seria nojento. Nada que ela não fosse merecer, mas eu quis me poupar.

Os carros chegaram, uma surra talvez fosse inevitável, interpretaram como acidente, ainda bem; ainda por enquanto.

Um dia vão me perguntar sobre arrependimento; só me arrependo por não poder fazer de novo.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Dos Cacos

Passava das vinte horas e as lojas se fechavam como de costume. Era inverno e ventava tão forte que o cheiro da comida dos bares se arrastava até a esquina, fazia a volta na rua e antes de chegar à saída do metrô, se dispersava misturando-se ao perfume das flores que uma imigrante japonesa insistia em vender por ali, sem lucro. Sem lucro também andava a vida do Sr. Kleinman que, com vinte e nove anos, já aparentava mais de quarenta. Herdeiro de um negócio fracassado, a fábrica era a única herança que seu pai havia deixado e que ele preferia não ter. Vivia preocupado com o pagamento das dividas, sonhava todo dia com o fechamento daquela produtora de calçados, um produto de má qualidade que fabricava modelos que ninguém mais usava. O cheiro de cola lá dentro era forte e Kleinman sempre voltava pra casa com uma dor de cabeça insuportável, mas que após alguns goles de Novalgex, a dor tornava-se suportável e ele podia completar o trajeto até seu apartamento apertado, tirar os sapatos e ver tv sentado no sofá, onde sempre acabava dormindo.

Quatro horas depois levantava sem sono -já não sabia se por insônia ou habito-, pegava as contas, subtraia, se decepcionava, ia pra janela fumar e observar as prostitutas que ficavam a oito metros dali.

Clara era a moça que ele mais gostava, chegou um dia a pagar pelo serviço, mas se apaixonou e preferiu nunca mais entrar em contato, - como se a puta fosse se incomodar - também não queria gastar dinheiro e correr o risco de necessitar todo dia dos serviços de Clara.

Amanhecia e ele se preparava para um banho frio no chuveiro estragado que soltava apenas algumas goteiras. Kleinman não se importava, talvez pudesse ter mais comodidade, mas preferia não acostumar com mordomias, já que a fábrica em alguns meses quebraria.

Na hora em que saia para trabalhar, arrumando a camisa amarelada pra dentro das calças escuras, ouviu o orelhão tocar e desceu correndo esperando que fossem noticias de seu irmão que morava no Rio. E era. Seu irmão foi adotado e após saber onde estavam seus pais biológicos mudou-se. Vivia bem, mas nunca pensou em ajudar Kleinman, que também nunca quis pedir dinheiro.

O telefonema foi um alivio para kleinman, seu irmão viria e passaria uma tarde, depois seguiria para a Argentina a trabalho. Chegado o dia do encontro, kleinman arrumou a casa, inclusive o chuveiro. Não pelo seu irmão, mas para não parecer que precisava de ajuda.

Gordon, - que usava seu sobrenome ‘verdadeiro’ - entrou, sentou-se e conversou com Kleinman, não pediu café, disse estar com pressa. Vendo as contas encima da mesa, notou que a falência não demoraria, se despediu e deu a Kleinman um embrulho.

Após se despedir do irmão, ficou curioso, mas preferiu deixar o embrulho fechado, achava que ainda não ia precisar, apenas espiou. Era dinheiro.

Como sempre, chegada as quatro horas da manhã, Kleinman acordou e foi fumar na janela, observou Clara e suas ‘amigas’ conversando sentadas na calçada.

Após atirar o filtro do cigarro oito metros abaixo, Kleinman segurou o pacote do dinheiro e caminhou rapidamente em direção a escada do prédio. De pés descalços na rua, cortou os pés em cacos de vidro de uma garrafa em que Clara acabava de quebrar, esticou e mão e ofereceu-a todo o dinheiro, mordendo o lábio inferior, por dor ou por um quase remorso. Clara, obviamente aceitou.

No momento em que subia as escadas Kleinman só pensava em uma coisa; havia comprado a mulher da sua vida, ou duas coisas; precisava também retirar os cacos de vidro do seu pé. Imaginava ter dinheiro para passar com ela um mês ou dois.

Na manhã seguinte, vê Clara dormindo e sai para trabalhar três horas mais tarde.

Voltou do trabalho e seguiu pelo caminho corriqueiro, comprou da imigrante uma flor para Clara. Lembrou que precisava ligar para o contador e declarar falência. Pensou por alguns instantes que podia ter usado o pacote para pagar o aluguel e ter onde morar até que arrumasse um emprego, mas nem o pé infeccionado pelos vidros da garrafa de Clara lhe incomodavam, queria apenas subir e ver que ela estaria lá.

Do orelhão, acertou tudo antes de subir ao prédio. Chegando em casa não a encontrou, mas encontrou um bilhete dizendo que o valor do envelope era suficiente apenas para doze horas. Kleinman sentiu a dor dos cacos de vidro de Clara. Lembrou do aluguel. Lembrou da falência.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Welsh às Sete.

- 15:31. June sempre chegava com as drogas. Tocava a campainha.
De dentro daquele apartamento com tijolos vermelhos e uma porta branca no número 3412 na rua Welsh saía Spud.
Ao abrir a porta para receber June, arrumava sua camisa do Liverpool no corpo, coçava a cabeça e dizia ''Passe'', olhando para o chão. Fechava a porta.
Era um lugar pequeno, poucos moveis, um tapete vermelho, uma porta à esquerda e
outra central. À esquerda entrou June, sabendo onde largar o que carregava - era quase um quilo e mesmo assim sabia que deveria trazer mais daquilo na próxima semana-.
Spud sentou-se na cadeira e perguntou à June sua idade. June diz: ’19 anos. Sou nova, não?’. Spud diz que ela era nova pra tantas coisas, mas nessa tarefa a idade dela não importava, mas a experiência.
June sentou-se perto de Spud e perguntou porque ele não pagava logo o que devia e parava de acertar as contas sempre depois de uma surra. Spud sempre respondia balançando a cabeça de modo que não se podia entender se aquilo era um sim ou um não.
‘Denver ainda quer me matar?’. É claro! – Responde June – ‘Enquanto não pagar o que deve, sim’. – completa.
Spud já não ligava, mas June não queria perder seu cliente, ainda devia conversar sobre o filho de Spud que estava esperando -já nos últimos meses-, e perguntar se Spud já havia se conformado.
Ele entra em seu quarto passando por um corredor estreito depois de abrir a porta central. June vai junto.
- 16:55. June apagava seu cigarro no cinzeiro que trasbordava quando ouviu buzinas. Lembrou que Denver viria hoje, mas disse que ‘por voltas das 19:00’.
June primeiro tenta acordar Spud, não queria atender a porta, Denver gostava de entrar atirando. Spud ‘‘não estava mais ali’’. Ela procura o dinheiro enquanto ouve alguém bater na porta e tocar a campainha com impaciência. Spud parece começar a acordar.
-June, que porra toda é essa?
-Spud, onde fica o dinheiro? Denver chegou.
Alguém abre a porta.
Spud diz que não é hora, pede pra que ela abra a porta porque logo um amigo seu vai chegar com o que ele precisa.
- SPUD! – Grita Irvine.
- É seu amigo, Spud? – Pergunta June.
- Sim, abra a porta. – Spud diz.
June, ao abrir a porta do quarto, fica mais tranquila ao ver que Denver não havia chegado.
- Como é, Spud? Vai precisar mesmo disso? – Pergunta Irvine olhando pra Glock 19 que acabava de trazer.
- É claro! – Responde Spud, sempre num tom baixo e olhando pro chão.
- Não acho uma boa saída, Spud. Denver não vem sozinho.– June adverte.
- Hoje não, June, hoje não. – Spud fala um pouco menos baixo.
Spud chama Irvine pra conversar e testar a arma na cozinha. June senta na cama e olha pela janela na direção que Denver costuma vir.
Depois de alguns disparos, Irvine foi ao quarto despedir-se de June. Passando pelo corredor encontra Spud, que vai abrir a porta.

Eram quase 19:00.
- ‘’Faça direito se for fazer, Spud. Eles são dois, não se esqueça.’’
Spud põe a mão na maçaneta e enquanto torcia para abrir a porta sente um empurrão e cai no chão.
Era Denver, dessa vez. Irvine cai depois de levar dois tiros próximos ao ombro.
Spud fica mudo. Denver dá boa noite e pergunta pelo dinheiro. Spud se levanta e diz que vai buscar. Entrando no quarto faz sinal para que June não saia, pega o dinheiro e deixa a arma no quarto. Irvine sangrava enquanto via Spud pagar o que devia para Denver. Ao ver que Spud ia para o quarto, Irvine segura seu pé e diz: “Acho que resolvemos tudo, não crie problemas”.
Spud faz um sinal negativo com a cabeça e puxa o pé. Caminha pela sala, sobre o tapete vermelho, abre a porta central, passa pelo corredor, entra pela porta da direita e encontra June. Ela pergunta se foi tudo resolvido, Spud diz que não, abre a porta do guardarroupas, pega a arma e aponta pra June. Diz que não está pronto para um filho.
O primeiro tiro ele acerta no ombro de June. Os gritos dela o deixavam tonto, seu desespero aumentava e o barulho do osso sendo perfurado havia feito ele desistir do que faria. Então Spud resolve dar um tiro na própria cabeça. O sangue passa por baixo da porta se misturando com a cor do tapete vermelho que ficava a metros dali, na sala, onde Irvine se rastejava tentando encontrar o quarto para avisar que o filho era dele, não de Spud.
Irvine vai morar com June. Depois que seu filho nasce vai à um médico inoperante e viciado em heroína para fazer uma ‘cirurgia’ e retirar a segunda bala do seu braço que já havia andado uns cinco centímetros.

Entre uma agulhada e outra o médico teve uma overdose durante o procedimento fazendo com que Irvine perdesse muito sangue e morresse horas depois.


segunda-feira, 16 de março de 2009

O cão de Jonze

Um cheiro forte de carne estragada passava por baixo da porta, já ficava impossivel respirar por ali.
Depois desse dia prometeu cuidar melhor do seu cão.

terça-feira, 10 de março de 2009

Regressão

Nos conhecemos muito cedo, aos três anos de idade.
Depois de doze anos começamos a namorar.
Seis anos se passam até eu te dar tchau e tu agir como se tivesse três anos novamente.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Brian Oldham

Voltar da reabilitação não era fácil, é verdade, mas não queria voltar pra lá.

Esse lance de começar tudo de novo de um jeito diferente era fóda.

Quando entrei em casa havia um cheiro estranho, eu sabia que era por conta dos cigarros deixados sobre a mesa, que umedeceram e apodreceram durante esses cinco meses, na verdade foram mais, ou menos, não lembro quanto tempo fiquei dessa vez.

Agora lembrei de como era aquele dia. Acho que era Julho, o mês. Fazia um calor fora do comum, mas as nuvens eram 'pesadas', chovia de 30 em 30 minutos. Bom, limpei meus pés e os cigarros sobre a mesa - meus pés não estavam sobre a mesa - e parei pra pensar.

Havia um ‘porque’, eu não usaria nada se não precisasse realmente. Parei de pensar. Era quase isso que me aconselharam antes de eu sair, ‘’...E não pense sobre isso’’, isso foi o que eles disseram. Continuei pensando.

Tomei os remédios, antes da hora. Quem sabia da hora era eu, meu corpo, sei lá. Tava uma merda aquilo tudo, aqueles vinte minutos passavam mais rápido no passado, mas eu precisava falar ''estou limpo'', mas acho que não queria falar isso pra mim mesmo. Isso!

Era esse o problema, me mantive ‘preso’ pelos outros, e claro eu já nem me coordenava mais; verdade, eu precisava parar. Bom, eu parei, já podia voltar a usar. E se eu fosse isso, um drogado?! Existem os motoristas, os músicos, os advogados, publicitários, etc. Porque eu não podia ser o que eu quisesse? Bom, eu devia maneirar nas doses, pra viver um pouco, nunca vi graça nisso, mas sei lá, se eu morresse não ia poder ver as coisas amarelas tornarem-se verdes, ou tudo se destorcendo enquanto eu ‘’pedalava’’, etc. Bom, vou diminuir a dose a partir de hoje, estou reabilitado à usar, mas com moderação. Isso aí foi o que eu disse.


- Brian Oldham escreveu isso, e voltou.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Vício

Coloquei pra tocar a música, no tom certo.
Respirei outra vez e agora vinha o gosto amargo, uma sensão chamada 'pós'.
Agora tudo que eu tinha era depois e depois, após e desde que.
Quando fosse contar minhas histórias sempre seriam assim o começo, isso se viessem após esse fato.
Tudo agora tinha o gosto certo pro momento, eu sabia que o amargo era o que eu sempre procurei.
Sempre tive essa mania, experimentava situações boas para experimentar a sensação do fim, sempre foi esse o lado bom.
Depois de curtir um pouco mais o que estavamos vivendo, te liguei, terminei tudo em segundos e esperei que viesse logo esse gosto amargo que viciei.
Nossos orgulhosos 5 anos de convivência eram tão frageis que foi tudo embora em segundos, então disse: ''Foi ilusão.'' e desliguei.