Comecei frequentando o cinema, ainda bem novo. Mas cinema tudo bem, naquela época isso já não era problema, não para famílias liberais como a minha. Hoje em dia todos frequentam ou já frequentaram essas salas de consumo coletivo, apesar do preço alto. Até que certo dia conheci, por meio de amigos, o material que era fornecido em VHS – idéia de um amigo que tinha o aparelho em casa e não se importava
Ainda são encontradas Vídeo Locadoras por aí em alguns cantos da cidade, mas cuidado, com a chegada do DVD o valor do aluguel se tornou abusivo. E é sobre o prejuízo monetário que eu falarei a seguir, depois de relatar uma fase transitória que pode ser considerada o começo do meu vício, o contato com o Submercado.
Esse Submercado chegou até mim quando experimentei comprar um filme em DVD, e você deve estar imaginando eu em uma loja comprando um produto de qualidade e com preço alto (o que me impediria o vício por razões financeiras), mas não. Foi passando por uma esquina próxima a minha casa que conheci um homem mal vestido que empunhava um estojo repleto de filmes e se identificava apenas como Camelô. Notei no ato que esse rapaz era esperto, tanto por sua agilidade ao buscar pelo material desejado por mim quanto por suas promoções “Dez por seis”. Mergulhei de cabeça nessa, mas não por muito tempo. Os motivos para eu ter abandonado o uso do material do Sr. Camelô foram diversos, por isso vou citar apenas alguns: Os títulos eram limitados, ele demorava para conseguir – quando conseguia – os filmes que sequer entraram em cartaz na cidade ou mais antigos; outro era que ele insistia em me empurrar filmes ruins bolso a dentro; Mas de tantos problemas o que foi crucial para que eu desistisse desse tipo de fornecedor era que, ao chegar em casa, suando, ainda com a roupa usada na faculdade, logo após empurrar o disco para dentro do aparelho, foi tornando-se usual encontrar três problemas que impossibilitavam o consumo. Esses problemas eram: Filme dublado, sem opção de troca do áudio; Filme com áudio original, perfeito, porém sem legenda e o último, contendo o aviso infernal de Disco Inexistente, pois nada havia sido gravado no disco. Foi a partir do problema com o Camelo que me entreguei à uma atividade equivalente ao uso do pirata. Conheci o download e me tornei um usuário digital – talvez procurando uma utilidade para os discos virgens que comprei por engano – ou picaretagem – do amigo Camelô. Esses tempos, em parte, foram bons. Baixei filmes de todos os cantos do mundo, escolhia uma série de títulos e deixava baixando via torrent a noite inteira para que pela manhã, até antes de me alimentar, começasse a usar a obra que desse vontade na hora. Consumi como nunca, consumi por ordem alfabética, por filmografia de diretor, por seguimento ou movimento artístico. Assim, junto com o conhecimento, meu vício aumentava a cada dia. Até eu já me considerava fissurado, ou cinéfilo – termo que meus amigos usavam para me descrever pejorativamente. Aliás, ex-amigos. Troquei meus amigos pelos filmes.
Certo dia, mergulhado na tela
Problemas com essa dependência eu tive muitos e ainda tenho. Devo confessar que não consegui me livrar do vício, mas agora admito que uso apenas coisas licitas, com nota fiscal e certificado de boa procedência, certificação essa dada pelos amigos da crítica que costumam avisar quando o produto não vai cair bem a certos usuários mais exigentes.
Agora é dezembro e nesse apartamento pequeno e úmido, onde me submeti a morar para que meu salário renda mais filmes, e com o estomago encolhido por uma dieta de macarrão instantâneo, me dispus a empurrar hoje pela manhã meu décimo terceiro salário ao caixa da maior livraria da cidade – descontado o aluguel e o macarrão do mês – para a aquisição mais pesada da minha vida.
Vi com os olhos marejados a moça do caixa colocar na sacola da maior livraria da cidade aqueles quatro boxes. Jean-Luc, Federico, Bernardo e François.
Um comentário:
tava xeretando por aí e adorei esse texto! parabéns!
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